Entre
o diamante e a grafite nada existe de substancial que os separe, são ambos
realidades do elemento carbono. Apesar disso, ao primeiro atribuímos um valor
quase incalculável e ao segundo um desprezo imperceptível. A explicação dessa
diferença está em, como todos sabemos, numa disposição alternativa dos átomos
de carbono. Num caso provoca o cristal que todos adoramos e admiramos, no outro
caso dá à luz um elemento amorfo, sem vivacidade e opaco à luz. O resto da história
são condicionantes sociais e económicas. Serve esta pequena digressão pelo
mundo da mineralogia para explicar como foi possível transformar a grafite que
são as escolas enquanto seres isolados num diamante em que se tornou uma
organização chamada PLE ( Parlement Lycéen Européen).
Em 1992 o jornal escolar “Le
Mur”, pertencente à escola “ Lycée Professionnel Jean Guéhenno” de Saint-Amand
Montrond de França procurava parceiros europeus para estabelecer uma rede de
correspondentes de jornais escolares de índole semelhante. Muito havia por onde
começar, a tarefa parecia imensa e quase impossível. Decidiram procurar escolas
com as mesmas afinidades do Lycée Jean Guéhnno. Pareceu-lhes óbvio começar
pelas escolas com cursos de Joalharia e Ourivesaria, o sentimento de pertença é
sempre um bom início para qualquer relação. A essa chamada muitas vieram, se
muitas for aquilo que às vezes pode ser. O ano de 1992 ficou como sendo
oficialmente o ano zero do PLE. Nesse encontro ficou desde logo patente que muitas
mais afinidades existiam entre essas escolas. As grandes preocupações do “Le
Mur” atravessavam a Europa: direitos humanos, cidadania europeia, ódio ao
racismo e à xenofobia. Pelo meio também havia a Ourivesaria, talvez o elo mais
forte que motivou as escolas presentes a continuarem com um projecto mais
arrojado. Depois desse primeiro ano outros vieram e o PLE foi-se afirmando. A
grande motivação para esses encontros definiu-se em três concursos (artigo de
imprensa, jóia e desenho de jóia) que à semelhança dos ideais olímpicos mais
pretenderam fomentar o convívio e a amizade do que a competição. No ano de 1993
e ainda em Saint-Amand 12 escolas de 12 países reúnem-se e elegem a primeira
direcção do PLE, é o primeiro encontro desta organização. Ficam estabelecidas
algumas intenções imediatas a prosseguir: criar uma base europeia de dados
relativos a cursos, estágios, formação, bolsas de emprego e intercâmbios entre
as escolas membros do PLE; comparar a formação obtida em cada país, seja dum
ponto de vista quantitativo (em termos de anos dessa formação) ou qualitativo
(a extensão curricular dessa formação); comparar a legislação relevante para
estes propósitos sobretudo aquela que permite a criação de empresas e atliês;
criar um programar de estudos trienais de estrutura modelar que rode por três
escolas parceiras nesse projecto. Os Direitos Humanos e a imprensa escolar são,
a par do ensino da Ourivesaria, os outros temas prementes. Saint-Amand acolhe o
2º encontro em 1994. A União Europeia toma conhecimento do PLE e Bruxelas apoia
o projecto. O 3º encontro acontece no
ano seguinte em Idar-Oberstein na Alemanha. São tomadas algumas decisões no
sentido de fomentar intercâmbios profissionais usando o programa comunitário
LEONARDO. Fala-se ainda em criar correspondentes de imprensa em cada escola
membro, promover as criações artísticas e técnicas de cada escola através de
exposições durante os encontros e incentiva-se à associação pontual entre
escolas para acções comuns no âmbito dos Direitos Humanos, acções de solidariedade
e protecção ambiental. No ano de 1996 o encontro é em Stemnitsa, Grécia. Começa
a desenhar-se uma rede de projectos envolvendo as escolas membro do PLE. A
cargo do programa LEONARDO ficam as expectativas de estágios europeus entre as
instituições de formação e empresas estrangeiras. Com isso pretende-se melhorar a formação em Joalharia/Ourivesaria,
criar módulos de formação comum aos vários países membros, editar um dicionário
multilíngue e promover a colaboração
entre as escolas e as empresas.. Dentro do programa SÓCRATES-COMÉNIUS ficam as
intenções de edições europeias de jornais escolares e o encontro entre escolas
para troca de experiências no campo da didáctica e da metodologia pedagógica. A delegação
francesa fica com a incumbência de coordenar a rede dos correspondentes
europeus de imprensa escolar. Portugal acolhe o 5º encontro em Lisboa através
da escola especializada artística de António Arroio (já então escola membro) e
a escola artística Soares dos Reis é
convidada a participar como assistente
nesse encontro.
No
final do encontro fomos propostos para membros efectivos e essa proposta foi
desde logo aceite por todas as partes.. Neste encontro as duas decisões mais
importantes foram a criação de um dicionário, em suporte informático, de termos
de Joalharia/Ourivesaria, multilingue, usando as diversas línguas faladas no
PLE que se denominou Projecto Cellini e a proposta de criação dum diploma
europeu para Joalharia. Os restantes
encontros ( 1998 em Amsterdam-Holanda; 1999 Kaiserslautern-Alemanha, 2000
Málaga-Espanha; 2001 Arezzo-Itália) continuaram a aprofundar os projectos anteriormente lançados e
confirmar a vitalidade do projecto PLE. Muitos países e escolas foram aderindo,
mesmo algumas que por se situarem fora do espaço geográfico Europeu (América,
África) ficaram com o estatuto de membros-observadores.
Desde a sua participação no PLE, a escola Soares dos Reis, mostrou-se
sempre activa e logo despertou a curiosidade dos restantes parceiros. Em 1999 a
escola ganha o 1º prémio de desenho de jóia e o 3º prémio de artigo de
imprensa, em 2000 o 1º prémio de jóia e em 2001 o 3º prémio de artigo de
imprensa. Não foi por isso de estranhar que em 2001 fossemos convidados em
Arezzo para organizar o 10º encontro do PLE no Porto. Esse encontro pretendeu
ser um espaço de balanço e reflexão em torno de diversas expectativas que se
foram criarando ao longo de dez anos e das
realizações que o PLE foi capaz de levar a cabo. Durante o encontro a escola Soares dos Reis,
na figura da professora Madalena Meneses, foi formalmente escolhida para a
direcção da organização, o Management Team, para desempenhar o cargo de
secretária.
Outros
encontros se seguiram e a organização foi-se fortalecendo e criando laços pela
Europa fora. Em 2003 as pedras preciosas, em especial o diamante, são alvo de
todas as atenções no PLE de Antuérpia na Bélgica. O ano de 2004 foi um regresso à infância da
civilização europeia em Delphos, Grécia. Reviveram-se mitos, o rei Midas e as
técnicas tradicionais helénicas. A Itália salvou o ano de 2005 organizando um
PLE muito em cima da hora em Peschierra. Portugal assume a presidência da
organização pela mão da professora Madalena Meneses. Certamente que para essa
decisão muito contribuiu o trabalho desenvolvido na escola Soares dos Reis em
torno da organização. Glasgow em 2006
introduziu o design celta na discussão. Em 2007 há um novo regresso á cultura
helénica em Lanarka, Chipre. Desta vez Afrodite contagia o encontro. Valenza ,
Itália, é a cidade anfitriã do encontro de 2008. A temática do encontro
centrou-se da produção industrial de jóias. Há nova mudança da presidência da
organização mas continua nas mãos da escola Soares dos Reis. Desta vez é o
próprio presidente do órgão de gestão o escolhido. Mais uma vez o excelente
trabalho da escola dita a confiança depositada por todos. O ar frio do Báltico
invade-nos em Liepajas, Letónia. Curiosamente descobrimos imensas afinidades
com a escola de Liepajas e desde essa altura tem sido uma companheira em vários
projectos de intercâmbio. A vez da Bélgica chega novamente em 2010, desta feita
em Namur. Fala-se muito no encontro do ensino da joalharia. Em 2011 o encontro
foi em Vigo. Novos materiais, novas formas, jovens artistas. Na espiral da
história chega novamente a vez do Porto organizar o 20.º encontro do PLE.
Para Portugal e em especial para as escolas membros, a importância do
PLE é enorme. Em primeiro lugar permite-nos, enquanto país ligado à produção de
Joalharia e à escola, enquanto sítio onde se ensina essa mesma Joalharia,
contactar com outras realidades diferentes umas onde se podem ver novas
maneiras do fazer e novas concepções enquanto design de Joalharia, outras
que nos permitem o saudável intercâmbio entre escolas. Para além desta
vertente estritamente ligada ao ensino e à produção o PLE, os ideais lançados
pelo jornal “Le Mur”, estão sempre presentes na análise das realidades
europeias onde os encontros também funcionam como factor facilitador da
promoção das regiões onde ocorrem e onde as escolas se inserem.
O PLE, enquanto organização com múltiplas finalidades, resume uma
polivalência de interesses particulares e de grupo e onde há seguintes
realidades sempre presentes: reequacionamento dos Direitos Humanos face às
novas realidades tecnológicas e sociais, promoção e definição duma cidadania
europeia, intercâmbio entre regiões, qualificação do ensino da
Joalharia/Ourivesaria.
Ao
longo destes últimos dez anos o PLE centrou-se essencialmente na tarefa de
construir alicerces sólidos capazes de impor a organização a um nível europeu.
Tem-se discutido os estatutos no sentido de transformar o PLE numa Organização
sem Fins Lucrativos. Sendo as finanças o principal problema da organização,
quer-se não só garantir a possibilidades de serem geradas receitas próprias mas
ainda permitir que patrocinadores apareçam enquadrando correctamente os seus
donativos com o fisco.
As
grandes linhas de força dentro da organização continuam a ser:
- Os
intercâmbios escolares permitindo a troca de experiências no âmbito da
joalharia/ourivesaria.
- A
promoção das culturas locais e divulgação dos diversos patrimónios.
- Os
debates em torno de conceitos actuais como a Joalharia Contemporânea, os
novos materiais, o novo design, o redesign de formas antigas e
tradicionais.
- A preocupação
com a paz entre os povos, a coesão social, os desperdícios nas sociedades
industrializadas e o desequilíbrio ambiental que isso provoca.
Nesse
sentido, os vectores programáticos previstos já para o XX encontro vão de
encontro a estas grandes linhas que o PLE sempre acarinhou, nomeadamente:
- Reforçando
os intercâmbios Comenius e Leonardo da Vinci, integrados no projecto
PROALV; dinamizando outros intercâmbios patrocinados pela escola ou outras
entidades do sector produtivo da ourivesaria/joalharia.
- Mostrando,
durante o encontro, parte significativa da cultura da região do Porto
acentuando o património de ourivesaria.
- Chamando
artistas ligados à Joalharia Contemporânea para falarem das suas obras;
promovendo um concurso cujo tema é o redesenho dos brincos tradicionais do
Minho.
- Organizando
um workshop de reuso de materiais abandonados (sobras, “lixo”,
desperdícios), construindo com eles objectos visualmente agradáveis
(chamar-lhes “obras de arte” é uma ténue esperança, apenas se pretende
actuar no sentido da sensibilização).
Alberto Teixeira
Director Executivo da EASR
Presidente do PLE
Julho de 2011